terça-feira, 5 de abril de 2011

O CCBM SOB MEU OLHAR


Rose Valverde[1]

Quem diria que após vinte anos em que eu fiz um curso de Teatro com o Henrique Simões o reencontraria encenando textos de Drumond no mesmo espaço em que ele tanto lutou para criar. E tive o privilégio de documentar esse momento que agora serve como um elo entre o presente e o passado.

Apresentação de Simões no CCBM em 2010 na VI Mostra “Professor Também Faz Arte”.
 
Em 1990, Integrantes da peça “Coração de Imagens”, com o Simões (sentado).

Mas podemos voltar mais ao tempo até meados de 1983 quando Simões conversava com Walter Sebastião, jornalista e crítico de arte, sobre a Fábrica Bernardo Mascarenhas que estava há anos abandonada e sem utilidade. E assim, Henrique Simões, Walter Sebastião, Guilherme Bernardes iniciam junto com vários artistas e intelectuais da época a campanha “Mascarenhas meu amor”, que é o início de um longo processo de negociação e mobilização visando negociar com autoridades do estado a fim de conseguirem transformar a velha e falida fábrica no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas.
Encontrei-me com o Simões para um bate papo e minha primeira pergunta foi: como surgiu a idéia de transformarem aquela velha fábrica num Centro Cultural?

Simões diz: - O início da campanha surgiu com a necessidade dos grupos de teatros de conseguirem um espaço. O grande grito dos grupos de teatro naquele momento era um local para ensaios e apresentações. Nós fomos então levantar esses locais andando pela cidade e pesquisando e nos deparamos então com esta coisa abandonada que era a antiga fábrica Bernardo Mascarenhas. E dos portões olhamos para o que era aquele local abandonado e o que resultou dessa visão, e que eu considero uma idéia sui generis para aquele momento, de transformar a antiga fábrica, que estava num estado lastimável, num Centro cultural. A história da Mascarenhas começa de uma ideia do Waltinho conversando comigo e logo depois com o Gueminho sobre esse espaço. Tem a história da Foto das pessoas, dos artistas que marcou o início da campanha e ali já tínhamos chamado outras pessoas e foram então retratadas de costas olhando para esse interior da fábrica, daí para frente que se aglutinaram mais pessoas foi o bloco para a rua e desembocou na campanha na qual o Jorge Sanglard foi uma pessoa importantíssima, pois fazendo interlocução com o Juraci Neves ele abriu espaço para nós na tribuna. O que queríamos divulgar sobre a campanha, nós conseguimos. Como o Sanglard é articulado ele falou com pessoas de projeção nacional e internacional e trouxe Afonso Romano de Santana e Carlos Bracher e vários outros artistas para participar desse movimento e foi essa articulação que nos ajudou muito. A tribuna imprimiu cartazes para campanha “Mascarenhas meu amor“ e esse nome se deve ao Gueminho a ideia foi dele. O movimento iniciou e para mantê-lo vivo sempre fazíamos entrevistas e divulgávamos sobre a história do espaço e etc. O Tancredo era governador do Estado e aproveitando uma vinda a JF foram feitas muitas reivindicações, inclusive essa. E a gente, muito peitudo, conseguiu chegar perto e mostrar a necessidade que a cidade tinha desse centro cultural então, chegar até ele e solicitar a doação da parte que cabia ao estado para a cidade. A fábrica faliu e imagino que as dívidas com o estado foram então negociadas dessa forma. A parte do governo federal foi permutada com alguns andares do antigo prédio da rodoviária. O Tarcísio aprovou a transformação do espaço em centro cultural e obteve verbas para colocar o centro cultural em atividade. A intenção original era que o espaço do mercado fosse também cultural, isso era um sonho nosso... Na cabeça dos artistas o sonho era: que tudo fosse da área cultural. Hoje vemos que o Espaço Mascarenhas já não dá mesmo conta da demanda da cidade, está na hora de pensarmos nisso. Se todos os espaços da fábrica fossem para fins culturais a cultura em Juiz de Fora teria ganhado um pouco mais...[2]
No finzinho da década de 70 eu estudava na Federal (UFJF) e morava no Bairro Industrial, na casa da tia Marina, irmã de meu pai. Todo dia eu esperava o ônibus, exatamente na frente da antiga fábrica, e nessa época creio que não funcionava mais, pois, estava tudo muito mal cuidado, tinha uns ferrinhos na janela para as pessoas não sentarem e ficávamos muito tempo ali, encostados, esperando o ônibus chegar.
Em fins de 1981 saí de Juiz de Fora mas, volta e meia retornava para visitar minha sogra e procurava então me inteirar dos acontecimentos na área cultural e foi assim que participei de um Salão de Artes Plásticas no Museu da Cidade (que funcionava aonde hoje é o JF informação) e ganhei minha primeira menção honrosa. Em 1985 realizei minha primeira exposição individual em Juiz de Fora, no Realce Arte Bar, que ficava à Rua Braz Bernardino. Alguns anos depois, estava em visita a Juiz de Fora e vi que estavam promovendo a gincana Visão Mascarenhas no Espaço Cultural, e vários artistas foram para lá e se espalharam com seus materiais para produzir uma obra lá mesmo no local. Eu fiz uma aquarela mostrando parte da área aonde hoje é o teatro. Só que coloquei uma bomba atômica explodindo no lugar do teatro e, um quadro na parede ao lado mostrava o cenário real da porta que estava a minha frente. Coloquei também um violão e uma escultura que não estavam ali, somente em minha imaginação...

3° lugar da gincana “Visão Mascarenhas “–1989 - aquarela - Rose Valverde

O público fez uma votação na época e eu tirei 3° lugar, mas só soube disto anos depois quando já estava em Juiz de Fora novamente e trabalhando na Funalfa.
Em 1990 comecei a trabalhar na Funalfa a convite da Superintendente Patria Zambrano e o Coordenador de Cultura na época era o Natale Chianello, foi aí que entrei na Oficina do Sensorial Teatro que era dirigida pelo Henrique Simões. Então nesse período eu já havia ficado viúva e trabalhava no setor artístico cultural da Funalfa e participei também da minha primeira e única peça de teatro que se chamava “Coração de Imagens”. Um trabalho de criação coletiva, com performances e cenas rápidas como happenings. A peça tinha uma linguagem diferente para a época, montada como uma arena, sem palco, o público ficava em volta e questionávamos: o tempo, o amor, a sexualidade e a vida. Eu ficava parte do tempo enrolada em papel e ao fim renascia e seguia caminhando ao som da ópera de Carl Orff – Carmina Burana – Imperatrix Mundi, tendo em minhas mãos um coração (de porco – real) e ao final de alguns passos caía numa cena que poderia ser a representação da passagem da vida.
Cena da peça Coração de Imagens do Sensorial Teatro dirigido por Henrique Simões.
De 1990 a 1994 trabalhei na Funalfa no setor de Artes Plásticas e durante esse período iniciamos um cadastro de artistas plásticos da cidade e através desse cadastro começamos a reunir os artistas e realizar eventos ligados a arte. Montamos o projeto Galeria Aberta, que reunia artes plásticas, poesia, dança, apresentações musicais e concertos no Parque Halfeld. Em setembro de 91 realizamos a galeria aberta que tinha uma premiação ao final e exibimos também, durante o evento, filmes de arte em 16 mm sobre Picasso, Os Impressionistas, Delacroix, Marc Chagall, Braque e Claude Monet. Realizamos exposições no Saguão da Câmara, como a exposição coletiva Grupo 16, e no próprio Espaço Mascarenhas a exposição de Artistas da Zona da Mata, gincanas artísticas ao ar livre e etc.

Convite da exposição do Grupo 16 – arte final: Rose Valverde.

Cartaz do Projeto Galeria Aberta - arte final: Rose Valverde e foto do evento realizado no Parque Halfeld

Todas as artes utilizadas pela Funalfa na época, eram feitas por mim, desde cartazes, convites, painéis artísticos para os projetos infantis e para o próprio Museu Mariano Procópio, como os dois painéis que fiz para servirem de cenário para a exposição Mata Atlântica, realizado pelo Museu. E todo o material gráfico da época era feito a mão, desenhado na prancheta e utilizando aquelas antigas cartelas de fontes, retículas e símbolos, da marca Decadry, e eram decalcados um a um para a montagem final.

Natale Chianello apresentando evento infantil. Cenário pintado por Rose Valverde

Fui também membro do Conselho diretor da Mascarenhas e nos reuníamos no castelinho, que é uma sala lá no alto do prédio onde ficava o relógio da Fábrica. Lembro-me das ocasiões em que recebíamos os artistas e suas propostas para ocupação do espaço e da nossa vontade em ocupar o máximo possível o prédio. Eu e Gueminho trabalhávamos também na casa, ele era o Gerente do Espaço Mascarenhas na época, mas havia representantes de todas as áreas artísticas no Conselho.
Nessa época a sede da Funalfa funcionava no Espaço Mascarenhas e por isso eu ficava muito curiosa para tentar saber um pouco mais sobre a história dessa fábrica e do prédio. Eu ficava olhando a estrutura e os detalhes do prédio, subia no castelinho e tirava fotos de tudo que me chamava à atenção. Perdi várias dessas fotos e só me restou uma que um dos funcionários revelou para mim e era em preto e branco.

Layout do cavalete para ser confeccionado em madeira na carpintaria da PJF.

            Começamos também a montar a estrutura dos atelieres que viriam a funcionar na ala mais nova da fábrica e foi nessa época que fiz os desenhos de layouts de cavaletes e vários detalhes do atelier de pintura que foi confeccionado na marcenaria da Prefeitura. Não tínhamos, na época, o orçamento necessário para conseguirmos realizar tudo o que precisávamos no espaço, mas devagar melhoramos a estrutura e criamos outros atelieres, além do atelier de gravura, que já funcionava e cujo curso era dirigido pela Adriana Pereira. Minha mãe, Irani Corrêa Pinto (Três Rios – RJ), lecionou durante um ano no espaço com um curso de Pintura e Desenho e vários artistas na época fizeram oficinas e cursos rápidos de áreas artísticas variadas.

Atelier de Artes Plásticas, Revista da Funalfa, eu estou sentada no canto à direita.

Atelier de gravura. Na foto vemos Adriana Pereira com Ricardo Cristófaro,
e ao fundo, Valeria Faria e uma aluna.

Em 1991 tivemos um acontecimento marcante que foi o incêndio do Prédio onde funcionava o Mercado Municipal. Apesar de ficar num prédio independente foi um grande susto o meu, ao descer a Getúlio Vargas e perceber grossos rolos de fumaça na direção do Espaço, a angústia foi grande e a impressão era que o fogo ocorria em toda a fábrica. Ao chegarmos já tinha bombeiros tentando apagar o incêndio, mas ficou dentro da gente uma grande ansiedade em relação a segurança do Espaço. Mas serviu-nos de alerta e passou-se a verificar com mais frequência as instalações do Centro Cultural. Em 1995 o espaço do mercado foi reinaugurado.

Nesse período em que trabalhei na Funalfa tive a oportunidade de fazer vários cursos como o de xilogravura com Rubem Grilo, que era ilustrador do Jornal do Brasil; Cursos de fotografia em Preto e Branco, com noções técnicas de revelação que foi ministrado pela Coophoto (cooperativa de fotógrafos) que reunia na época os melhores fotógrafos de Juiz de Fora. Participava na época de quase todas as atividades na área cultural e representava a Funalfa em alguns eventos artísticos e exposições que aconteciam na galeria do Ritz, na Sociedade de Belas Artes Antonio Parreiras e em outros órgãos ligados a Funalfa como o Museu Mariano Procópio e a Biblioteca Murilo Mendes. Foi também no Espaço Mascarenhas que aconteceu o Primeiro encontro de Arte-educadores de Juiz de Fora e durante esse evento também pude realizar uma oficina e participar como representante da Instituição em várias palestras e debates.


Ao fundo, à esquerda, o CEM, que era parte da Fábrica Mascarenhas.

Em 1994 saí da Funalfa para lecionar em Três Rios no CIEP e por lá fiquei até início de 1998 quando retornei para Juiz de Fora e fiquei trabalhando como autônoma, com Arte e Design Gráfico até meados de 2002. Então comecei a lecionar no CEM (Centro de Educação de Jovens e Adultos) nas oficinas de Teatro e Desenho artístico. Posteriormente começamos com as oficinas de Desenho em Quadrinhos e Desenho de Moda. E é justamente esse espaço que faz parte da história da cidade que me inspirou a fazer o projeto que desenvolvo atualmente: “Bernardo Mascarenhas, um homem várias histórias, da Cedro e Cachoeira até os dias de hoje”.

Referências Bibliográficas
Revista Ação Cultural – Publicação da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage - FUNALFA, Ed. Esdeva, 1992.



[1] Rose Mary Pinto Valverde de Carvalho, Artista Plástica, Professora de Artes, Especialista em Arte, Cultura e Educação – IAD/UFJF.
[2] Depoimento concedido por Henrique Simões em 07 de fev de 2011 na Casa de Cultura para Rose Valverde.

 Henrique Simões e Rose Valverde na Casa de Cultura - UFJF

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