segunda-feira, 14 de novembro de 2011

QUADRINHOS E REGISTRO HISTÓRICO: DISCUSSÃO OU AÇÃO




Por João Luiz de Souza Miranda

No processo de criação das tramas "Apenas nos preservando" e "Os braços de Juiz de Fora", percebemos diferentes níveis de importância que a pesquisa histórica pode gerar.
O projeto "Bernardo Mascarenhas: Um homem várias histórias, do Cedro e Cachoeira até os dias de hoje", consiste em Cinco tramas que informam e correlacionam a importância de Bernardo Mascarenhas para a cidade de Juiz de Fora estrutural e culturalmente. As duas tramas anteriormente citadas, tiveram como diretrizes principais a conscientização do público para a preservação dos monumentos públicos e o respeito aos negros, relembrando sua participação dentro da historiografia e desenvolvimento da cidade de Juiz de Fora, respectivamente. No processo de criação, deparei-me com a necessidade de gerar um equilíbro entre o assunto pesquisado e gerar uma trama que busca evocar questões sentimentais dos participantes e dos leitores.
Em um artigo do livro “Muito além dos quadrinhos: análises e reflexões sobre a 9ª Arte”: “Quadrinhos e educação popular no Brasil: considerações à luz de algumas produções nacionais”, de Waldomiro Vergueiro, o autor realiza uma análise de cartilhas e material informativo em quadrinhos, relacionando conteúdo ficcional e informativo. O artigo conclui que a grande maioria do material visto, se coloca como meramente informativo, voltado a um público infantil, centrado em fórmulas roteiristas pré-determinadas.
A proposta de conscientização que o projeto foca, gerou uma nova necessidade (e um elemento que é a questão principal desse artigo), no desenvolvimento da trama: a necessidade de gerar uma trama ficcional que possa emocionar, entreter, gerar discussão e reflexão através da empatia e reconhecimento dos espectadores em relação aos fatos mostrados.
A pesquisa em alguns pontos se mostrou vasta e frutífera. Para lhes dar ideia da profundidade da pesquisa, a 5ª trama envolveu a leitura de três livros sobre a escravidão e pós-escravidão em Juiz de Fora, alguns artigos sobre identidade negra publicados no livro "De Preto a Afrodescendente", sem falar no processo de criação das imagens que, essencialmente, envolvem a pesquisa visual de Juiz de Fora em 1888/1890, para uma obra que ocupa 10 páginas de duração. Em obras mais volumosas e de maior complexidade, com certeza a pesquisa se torna mais complexa. Os registros visuais de época normalmente se apresentam esparsos e pouco apurados / direcionados para o que se intenciona, fazendo com que o processo gráfico (esse tendo responsabilidade com os fatos e com a informação de seu público alvo) se torne também um processo de redescoberta do tema a ser elaborado.
O meio quadrinho por muitas vezes se colocou a serviço de temas históricos, temos como principais expoentes contemporâneos: Maus de Art Spielgman, as séries de quadrinho-jornalismo como Palestina de Joe Sacco e Persepolis de Marjorie Strappi, sendo que são tramas de relatos pessoais em meio a fatos importantes da historiografia. No Brasil, entre várias produções tivemos o quadrinho A Guerra do Paraguai, na década de 70, e todas as produções do gênero que seguiam o molde alfabetizador que esse quadrinho apresenta. Em 2001, um jornal universitário de uma universidade da Bahia, fez um quadrinho-reportagem sobre a marcha da maconha ocorrida naquela semana, o caráter se torna, ao mesmo tempo, jornalístico e emocional da parte dos autores que participaram da manifestação e registraram o ocorrido. O elemento "underground" dessa obra faz com que ela não seja apenas registro do evento, assim como Palestina, ela propõe reflexão e debate sobre a visão normatizadora que é apresentada pelos registros oficiais.
Assim, o que se busca no projeto é a capacidade de informar da primeira ou a vivacidade da segunda? Se eu pudesse dar certeza do fato, diria que a busca é por ambas as vias de expressão, porém devemos levar em consideração o poder que os quadrinhos têm como forma de comunicar diretamente ao leitor, elementos que a palavra escrita ou as formas pictóricas de expressão não conseguem abarcar. Na 5ª trama, o preconceito antes teórico, analítico, se torna visível; não é vivido apenas pela personagem e por aquilo que ela representa, mas sim pelo leitor que é responsável e confidente dos fatos registrados, eventos esses que se refletem diretamente em seu cotidiano. Para que isso ocorra, é vital o reconhecimento do leitor com a trama e com o mundo ali gerado, pois se trata de uma experiência ficcional que abarca apenas uma parcela dos fatos ocorridos na época. Sendo uma parcela, a experiência de 10 páginas tem que ser intensa e não muito extensa. Na quarta trama, o foco se torna o humor, o absurdo, como solução gráfica e narrativa: estátuas, antes desprovidas de sentimento, se relacionam, discutem e rediscutem suas funções dentro do espaço urbano. A pesquisa muda o seu rumo para a discussão sobre o que é o patrimônio da cidade e como esse está sendo tratado. Para isso, utilizar o perfil da 5ª trama gera uma experiência que transcende o documental, o elemento antropomórfico (ou seja, tornando humano o que seria inanimado ou não humano, como os animais nos desenhos animados de Walt Disney ou, nesse caso, fazer com que peças de bronze e aço ajam, pensem e sintam como seres humanos) que é aplicado a essa trama faz com que o discurso de estátuas representando figuras quase seculares, dialogue anacronicamente com o leitor, em seu terreno. Assim a pesquisa não é descartada, e nem a importância histórica de tais figuras, mas a busca pelo reconhecimento do leitor, pelo diálogo a ser invocado se torna maior e urgente devido às condições que o assunto falado é ignorado e desconhecido pelo cidadão comum.
Assim é que temos o controle da quantidade de informação que é injetada na obra. O meio quadrinho é feito de conceitos, técnicas e necessidades que qualquer meio narrativo (quando a trama se apresenta como narrativa) tem, de forma que na presença de elementos textuais, texto e manifestação pictórica (não necessariamente desenhos, o texto também pode figurar no quadrinho como manifestação pictórica) devem se harmonizar de forma a se complementarem ou se reforçarem (em outras manifestações de vanguarda, texto e imagem podem ser dois elementos que sequer dialogam entre si, mas foi um recurso não utilizado nas tramas citadas). O excesso de uma das manifestações (e se esse excesso for usado sem conhecimento prévio/ intenção) pode comprometer a transmissão do que é preterido: ou se torna um livro literário/ informativo ilustrado ou uma ilustração com legendas (porém, esses limiares se apresentam no radicalismo das ideias, ao se almejar um fluxo textual ou imagético intenso para o formato quadrinho, os equilíbrios se darão de outra forma). Para o preterido com essa forma de manifestação artística/comunicativa, um fluxo intenso de texto pode ser uma faca de dois gumes: torna a obra informativa, porém com a possibilidade de ser cansativo ao leitor, sem variações de intensidade sentimental/narrativa e ainda ter a possibilidade de não informar, graças às limitações de páginas da obra, na mesma intensidade quanto didáticas direcionadas ao público pretendido. O domínio das formas pictóricas pode tornar a obra mais sensorial, vívida para o espectador, mas corre o risco de ser vazia de conteúdo, e para uma obra de caráter informativo/ conscientizador não cobriria muitas das questões objetivas pretendidas pela trama e as questões subjetivas que permeiam os personagens participantes dessa.


BIBLIOGRAFIA

VERGUEIRO, Waldomiro. Quadrinhos e educação popular no Brasil: considerações à luz de algumas produções nacionais. In: VERGUEIRO, Waldomiro & RAMOS, Paulo (orgs.). Muito além dos quadrinhos: Análises e reflexões sobre a 9ª arte. 1. ed. São Paulo, SP: Devir Livraria, 2009.

BARBOSA, Alexandre. História e Quadrinhos: a coexistência da ficção e da realidade. In: VERGUEIRO, Waldomiro & RAMOS, Paulo (orgs.). Muito além dos quadrinhos: Análises e reflexões sobre a 9ª arte. 1. ed. São Paulo: Devir Livraria, 2009.

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